Seguimos para Mirangaba, acompanhadas pela equipe do NASF, agentes comunitários de saúde, alguns técnicos do CAPS de um município próximo, divididos na Kombi da Terapia Comunitária e no carro particular do coordenador do NASF.
Continuamos na estrada com destino a zona rural de Mirangaba, uma comunidade remanescente de quilombola. A primeira USF estava cheia, era dia de consulta médica. Encontramos a enfermeira, ela e o coordenador falaram rapidamente de alguns casos e sobre o projeto do PSE.
Ele nos contou que embora seja uma única comunidade, há duas USF´s, e entende que os dois vereadores de partidos diferentes demarcam esta divisão na comunidade. O médico atende nas duas USF em dias diferentes. A segunda USF é maior e estava sem usuários naquele momento. Conhecemos a enfermeira e algumas agentes comunitárias de saúde. A assistente social do NASF seguiu para capela da vila para realizar a oficina de crochê com as mulheres da comunidade. Nós realizamos uma pequena reunião com o coordenador e o pessoal do CAPS.
Atualmente a equipe do NASF tem reunião interna uma vez por mês, mas planejam realizar esta reunião semanalmente. Com cada equipe de saúde da família se reúnem uma vez por mês também, dividindo um turno terapêutico para equipe em que se trabalham aspectos subjetivos e um turno para discussão de casos. Observamos que a vinculação do NASF é forte com os agentes comunitários de saúde e com as enfermeiras.
As ações comunitárias são realizadas nos centros de convivência que na verdade são espaços de atividades que ocorrem em associações comunitárias, na igreja como observamos e outros dispositivos que existirem. Como não há verba destinada a financiar este locais, são utilizados os espaços existentes. Na oportunidade da nossa visita, a oficina de crochê seria realizada no espaço do PETI, mas por não existir um bom diálogo com a Secretaria de Bem Estar Social do município, o espaço estava barrado para realização da atividade. Realizar na capela impediu que senhoras evangélicas participassem da oficina, relatou a assistente social do NASF.
Em uma das comunidades são os agentes de saúde e voluntárias da comunidade que coordenam as atividades e oficinas no centro de convivência. A expectativa do grupo é de que isto possa ocorrer nas demais.
Uma das dificuldades apontadas é a questão do material. A assistente social conta que o grupo do NASF doa o material como o crochê, mas que isso impossibilita a sustentabilidade da oficina. Gostaria de recurso para adquirir material suficiente para que as mulheres pudessem produzir seus produtos, vendê-los e gerar renda.
Acompanhamos o final da atividade na capela. Em torno de 15 mulheres, senhoras e jovens sentadas em grupos manuseando agulhas e linhas coloridas, nas mãos de algumas já se esboçavam toucas, colares e meias.
Em uma roda de conversava com três senhoras, uma delas contava a história da comunidade e entre uma história e outra tocava-se no assunto da diabetes e da hipertensão, hábitos alimentares... e de repente era 11:30h! O feijão e o arroz estavam no fogo à lenha, mas me explicaram que na lenha demora mais para cozinhar e não tinha perigo ter queimado. Era hora de ir embora, fazer a marmita para o marido e levar para roça do sisal, onde ele tava trabalhando desde cedinho do dia. Nós também fomos almoçar na USF.
Seguimos para outra comunidade onde foi realizada a roda de Terapia Comunitária, na associação de pequenos produtores rurais. Antes da roda realizamos uma visita, uma situação que tem mobilizado a equipe que se vê impotente. Uma família com 05 irmãos com problemas mentais, digo problemas porque de fato não sabemos do que se trata. O pai aparentemente não tem nenhum transtorno. Moram em uma chácara, ao lado da casa velha e sem condições de higiene, está finalizando a obra da nova casa. Sem nenhum morador e mobília, porque todos insistem em continuar vivendo nos cômodos escuros da velha estrutura. Um dos irmãos está sentado no chão, do lado de fora. Aparentemente com retardo mental e atrofia nos membros inferiores. Feridas com larvas e cascão de sujeira nos pés e pelo corpo. A enfermeira diz que poderia fazer a limpeza e o curativo, mas ele precisaria tomar banho. Vemos outros dois de relance, escondidos em outros cômodos.
Família, sem palavras, cuidado ou afeto. Seres que convivem e sobrevivem. Além de conseguir colchões e terminar a nova casa, o que mais pode ser feito? Saímos com esta questão sem respostas naquele momento.
A roda de Terapia Comunitária começou timidamente com poucas pessoas da comunidade. A terapeuta comunitária (assistente social do NASF) coordenou uma dinâmica, em que formamos um grande nó com nossas mãos e com a cooperação grupal conseguimos desfazê-lo. Depois ela apresentou a proposta e falou a frase disparadora “o que está fazendo você perder o sono?”.
As pessoas foram levantando as mãos, apresentando-se e falando sobre suas dores. Dores de cabeça com as mais diversas sensações, “dos nelvos”, no “pé do percoço”, formigamento nos braços ao deitar, a angústia insistente pela realização de uma ressonância magnética, muitas histórias e o grupo com a difícil missão de escolher uma para aprofundar, ajudar “sem dar conselhos”.
A dor escolhida foi a dor da perda, de uma história de abandono. O grupo acolheu, não deu conselhos e nem se propôs a dar soluções, mas trouxe paz, como afirmou a moça ao dizer o que estava levando para casa naquele dia. Outras palavras: esperança, alegria, saúde, solidariedade. De fato, observamos uma rede de solidariedade começar a ser tecida naquela comunidade, naquele fim de tarde.
Pessoas muito acolhedoras que nos convidaram a visitar mais vezes a sua comunidade, a conhecer a cavalgada, o samba e as cachoeiras ali próximas. Um dia repleto de contatos, de vida, de um fazer que não está nos manuais. Sentimos e vimos as possibilidades de atuação como profissionais de saúde, de resgate de uma cultura esquecida, de um cuidado próximo e singular. Terra batida, serras verdes, clima frio, café, banana, jaca, sisal, pasto, poeira, gente, gente e gente.
ô Clô, que delícia essa experiência! Vamos caminhando né..com todassssssssss as "dificulidades"!
ResponderExcluirbjus
Kimielle